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O BLOG DO VILAS

POR LUÍS VILAS ESPINHEIRA

O BLOG DO VILAS

POR LUÍS VILAS ESPINHEIRA

ENTREVISTA PADRE RICARDO ESTEVES: "Tentações tenho muitas porque sou de carne e osso"

Conheço o Padre Ricardo Esteves desde que ele foi o pároco da freguesia onde vivo, Lanhelas. Em Lanhelas, ele foi, durante muito tempo, uma novidade e despertava a curiosidade de todos. Não só porque na altura era bastante jovem (pouco mais velho do que eu sou agora) e levava, segundo se dizia, uma vida pouco peculiar para um padre, mas bastante comum para quem não é padre.

O Ricardo nunca escondeu que gostava de motas, ia ao ginásio, cuidava da sua aparência, convivia com os outros jovens, abria as portas a toda a comunidade e era muito proativo na sua atividade social. Sempre foi solidário, organizava festas em nome de causas e participava nelas. Acabou por se tornar um bocadinho lanhelense (até chegou a jogar no Lanhelas Futebol Clube). Sempre permitiu que o tratassem por Ricardo, pondo algum protocolo de parte. E Lanhelas, Seixas e Vilar de Mouros receberam-no muito bem. 

Tão bem que quando a sua mudança para a freguesia de Gandra, em Valença, foi anunciada, os paroquianos das três freguesias revoltaram-se, fizeram um abaixo-assinado e o Ricardo voltou a ser notícia. Sim, voltou, porque desde que foi descoberto pela comunicação social, que o Ricardo dá várias entrevistas onde o apelidam de "padre motoqueiro" e "padre sexy". A última aparição do Ricardo na televisão foi ontem, no programa Você na TV!, com Manuel Luís Goucha. Antes disso, já a CMTV tinha andado atrás dele e até um canal da Galiza o convidou para contar a sua história. Escusado será dizer que é dos nomes preferidos dos jornais regionais.

A entrevista era delicada. Eu não sabia no que é que podia falar e perguntei-lhe diretamente se tinha algum assunto que não queria que se fosse abordado. Disse-me logo que não tinha medo de falar sobre nenhum assunto e que eu estava à vontade para lhe perguntar sobre tudo o que quisesse.

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Quem é o Ricardo Esteves, para além de ser padre?

Já me conheces um pouco pela minha passagem pela tua terra (paróquia) de Lanhelas. Sou padre sim, mas antes disso sou homem como outro qualquer. Aquilo que nos define como homens e mulheres não é o que pensamos mas o que fazemos. Não o que fazemos meramente dentro do que é a nossa vocação ou profissão mas essencialmente os valores e princípios humanos. Por isso é que se diz na gíria popular que a educação vem do berço e da escola a instrução. Considero-me um jovem simples de 37 anos neste momento, feliz, realizado na minha vocação e na minha individualidade como Ricardo. Amo a vida e tudo o que ela contém e todos os dias a amo cada vez mais. E quando falo em vida não é só o sopro de ar, de batimento cardíaco, mas as pessoas, os animais, o cheiro da terra, o cheiro da infância, do estar a mesa com os amigos, da praia, de correr, fazer praia, desporto. Sinto-me como um coração gigante a pulsar dentro do corpo do mundo E se há coisa que me deixa muito feliz é saber que fiz alguém feliz.

Fala-nos um pouco da tua fé e dos teus principais valores enquanto pároco.

As pessoas confundem fé com meramente acreditar em Deus ou em divindade. Ter fé é um conceito muito alargado. Tenho fé em Deus sim, amo Deus sobre todas as coisas, apesar de muitas vezes também o ofender. Tenho fé em mim porque a vida me põe à prova e sei do que sou capaz e do que não sou. Mas ter fé também é ter ousadia, não falo de presunção ou capricho, falo de ousadia de não ter medo de errar, de saber que sou finito, que sou frágil, mas pelo menos sei o que sou e como sou e morrerei sem me conhecer por completo. Tenho fé nas pessoas, não acredito em coincidências ou destino, acredito na liberdade que Deus nos deu, de fazermos escolhas, sejam elas quais forem. Se erramos, se caímos é para quê? Para aprendermos a levantar-nos. Há uma grande diferença entre crer e acreditar. Posso acreditar sem crer, e crer sem acreditar. Os meus valores como pároco passam sobretudo por mostrar às pessoas com quem convivo que é preciso ser feliz, é necessário estarmos bem connosco para podemos irradiar felicidade aos outros, temos de ser espíritos, e espíritos não são fantasmas, "espírito" vem do Grego pneuma que significa sopro, alento. Daí vem a palavra pneu, roda de ar. E é isso que como pároco eu quero ser, quero ser pneuma, quero ser sopro, alento de vida para quem se sente esvaziado muitas vezes pela doença, pela tristeza, pela azáfama da vida. Gosto de procurar com denodo o essencial da vida, do homem e da própria existência, e tenho consciência que Deus me tem dado tudo mesmo o que não lhe peço. Sobretudo tem-me dado as pessoas que cruzam a minha vida que me fazem crescer pelas coisas boas que se partilham, mas também agradeço por aquelas que me rasgam as fibras e me enfraquecem, mas mais tarde essas fibras, transformam-se em “músculos” mais fortes que me tornam mais resistente numa próxima investida.

Ultimamente, tornaste-te mediático no contexto nacional. As pessoas começaram a falar de ti, a tua história fez correr muita tinta. Achas que as pessoas, no geral, prendem mais a opinião delas sobre ti às tuas características mediáticas ou àquelas que enumeraste acima?

Luís, as pessoas que me conhecem na íntegra e que acompanham o meu trabalho, creio que me veem tal como referi acima. Veem em mim alguém próximo, alguém que não faz aceção de pessoas, que me dou por inteiro, que o faço de coração. Uma altura uma senhora disse que eu era um padre dorido. Gostei desta expressão e confesso que senti orgulho em mim ao ouvir tal expressão. Não um orgulho desmedido ou de vaidade narcisista, mas de sentir que alguém olha para mim sem ser pelo mediatismo. Sei que há pessoas que não me conhecem mas acompanham o meu trabalho pela minhas páginas e mediatismo nas diversas reportagens nos diversos meios de comunicação e veem em mim alguém que o que faz é de coração. Assim como também tenho consciência de que muitas outras me seguem, não diria pelo mediatismo porque não me considero mediático, mas por outras razões talvez. E eu uso esse “mediatismo” para fazer chegar a mensagem a todos. Este falso mediatismo faz com que as pessoas quebrem preconceitos e isso ajuda a que muitas com fé ou sem fé se aproximem e muitas dúvidas que existem na cabeça das pessoas, com esta abertura até elas, faz com que se dissipem.

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No teu entender e no teu caso, achas que fazes mais do que aquilo que é socialmente permitido fazer a um padre ou achas que os outros padres é que se retraem com medo do que as pessoas vão dizer?

Não acho que faço mais nem menos do que é permitido. Faço apenas aquilo que eu acho essencial para a aproximação das pessoas. Nem sempre o que é religioso atrai porque muitas pessoas vivem há muito afastadas da vida da igreja por diversas razões. Ou por falta de fé, ou alguma experiência menos boa, ou por acharem que Deus não atende as suas preces, ou por culpabilizar Deus por tanto infortúnio ou simplesmente por comodismo. Eu pego muitas vezes naquilo que é profano, para pelo menos agrupar essas pessoas, que tem bom coração como todos as outras pessoas, e nesses encontros, nessas festas, há sempre a oportunidade de lhes falar de Deus, da família, de lhes dar alento, de lhes quebrar preconceitos, de lhes desmistificar erros doutrinais, entre outros. Portanto, não acho que faça nada mais ou menos que os outros. Cada um tem o seu carisma, a sua dinâmica. Eu tenho uma máxima que gosto de partilhar muitas vezes: rezemos a Deus como se tudo dependesse Dele, mas trabalhemos como se tudo dependesse de nós... Deus não materializa os nossos pedidos, mas Deus dá-nos a força e a ousadia de vencermos e atingirmos o que lhe pedimos. Deus não é um apêndice na vida do homem e da mulher, não é o INEM das situações críticas ou acidentes, mas Deus é companheiro de viagem no bom e menos bom da vida.

Consegues perceber e pôr-te no lugar de pessoas que não precisam nem acreditam da companhia de Deus? Em que é que tu, por te sentires acompanhado por ele, tens de diferente do resto?

Claro que consigo. Da mesma forma que me consigo colocar no lugar ou paixão de quem sofre, ou gozar da alegria de quem está feliz. Tenho tudo de diferente. Não sou mais nem menos do que ninguém, nem pior nem melhor, mas diferente sou, sem dúvida. Deus não é um adereço de esperança para imortalizarmos o que não compreendemos ou um antídoto para remediar o irremediável. Sou diferente primeiro porque tenho o dom da fé, sou diferente porque vejo Deus no rosto das pessoas, sejam elas praticantes ou não, sou diferente porque apesar de não entender totalmente Deus, Deus entende-me e essa força, essa Pessoa maravilhosa que é Deus, atua em mim, em todos. Deus não criou religião, Deus falou-nos de amor. “Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei”. E ninguém pode amar a Deus sobre todas as coisas se primeiro não nos amarmos a nós próprios na nossa individualidade, nem podemos amar a Deus sobre todas as coisas se não amarmos a nossa família, os nossos amigos, colegas, até os nossos inimigos, porque as pessoas esquecem-se que até os inimigos tem coração e uma pessoa que fere é muitas vezes uma pessoa ferida. Devemos ter esse discernimento.

Dizem que os padres são "casados com Deus". Tu és jovem, cuidas da tua aparência, estás muito exposto, porque para além de seres uma pessoa extremamente sociável (estás em todas), és muito proativo no teu papel de servir as pessoas e estares perto de toda a gente. Com certeza deve haver quem já te tenha tentado seduzir. Nunca te sentiste prestes a cair em tentação?

Os padres não são casados com Deus. Os padres recebem o sacramento da Ordem, sacramento esse onde estão incutidos votos como o da obediência, castidade e pobreza que somos chamados a viver. Tentações tenho muitas porque sou de carne e osso e muito mau seria para mim se as não tivesse. Aliás, as tentações são boas, porque são “encruzilhadas” que nos obrigam a abrandar ou até mesmo parar o ritmo da minha vida e me fazem questionar se ainda faz sentido os votos que fiz há 10 anos. Eu vejo as tentações como algo positivo, porque na vida, constantemente, devemos parar para saber se estamos no caminho certo e se o queremos continuar a percorrer com agrado ou se afinal deixou de fazer sentido. Mas as tentações são muitas, só que as pessoas reduzem tentação à exclusividade da tentação da carne.

Achas que a imposição da castidade e todo esse voto é justo? Discute-se muito a possibilidade de os padres poderem casar. O que achas disso?

Castidade antes de mais significa respeito mútuo, o mesmo voto que os casais também fazem no dia do casamento. Castidade não se resume apenas a virgindade. No que diz respeito aos padres poderem casar ou não, isso é uma questão que a igreja saberá acompanhar com os sinais dos tempos.

As questões do divórcio, aborto, casamento homossexual, eutanásia... achas que há limites para a igreja "acompanhar os sinais dos tempos", como disseste?

Antes de mais devemos ter em conta que quando falamos de igreja estamos a falar não de uma hierarquia ou estirpe estranha. Igreja são todos os batizados. A igreja não coloca limites nem acorrenta ninguém ou castra. A igreja apenas propõe um caminho, e como em todas as instituições, bem como no mundo civil do qual todos fazemos parte, temos de ter um fio condutor, regras, porque precisamos viver em comunidade e é preciso uma orientação geral que muitas vezes por questões individuais, culturais, religiosas e até caprichosas não agrada a todos. Se fôssemos perguntar a todos os condutores se deveria haver limite de velocidade nas estradas, certamente as opiniões seriam muitas e diversas. Em igreja é igual. Há apenas um carisma que deve ser seguido e que todos, de forma gradual devemos ir revendo. Há coisas que precisam ser revistas da mesma forma que há outras que devem ser mantidas até porque a razão do ser humano tem a sua própria essência.

Disseste que a igreja são todos os batizados. Grande parte desses batizados não escolheram sê-lo. Foram-no por decisão dos pais, em bebés. Esses batizados representam um número de católicos, mesmo que, na prática, a sua crença possa mudar com o tempo? O batismo não devia ser uma escolha de quem é batizado?

O facto de serem batizados não os torna católicos agora se não têm vida prática. Ser cristão é uma coisa, ser cristão católico é outra. Católico significa ser praticante. Eu acho que os pais devem incutir nos filhos os valores morais e espirituais desde pequeninos. Luís, diz aos pais dessas crianças que não os mandem a escola que eles quando crescerem e tiverem 18 anos decidem se querem ou não estudar... Não sinto que a igreja imponha. Só aceita quem quer fazer parte dela. É certo que a igreja é composta por homens e mulheres e não somos perfeitos, mas também é na imperfeição que o féretro humano cresce.

De repente, tornaste-te viral e aceitas todos os convites para falar da tua vida. Gostas do spotlight e de aparecer para dar o teu testemunho?

Sabes Luís, não é uma questão de gostar, até porque nunca, até ao momento aceitei ir a um programa em direto e têm sido muitos os convites todos os meses dos grandes pivôs da TV, mas nunca fui. Contudo, usar os meios que hoje estão ao nosso alcance para podermos dar testemunho de vida, acho que é fundamental. Assim como tu. Para que tens um blogue? O que pretendes com ele? Quem queres e o que queres alcançar? Nada! Mas queres dar alento com o testemunho de muitos pelas tuas mãos. Parabéns e continua!

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Claramente eu e o Ricardo temos visões muito diferentes sobre a vida e é acaba por ser por isso que eu o admiro. Já tivemos conversas enormes, em diferentes contextos, sobre a questão da igreja, do ser padre, da vida dele, da minha vida, de tudo o que possam imaginar. Discordamos na maioria das vezes. Mas ele consegue discordar com um respeito raro, não se excede nem perde a postura. Acho que, no geral, ele marcou muitas pessoas nas freguesias por onde passou, não por ser padre, mas por utilizar a sua posição, a favor da comunidade. Muitos parabéns por todo o percurso e desejo que ele continue a ser proativo, amigo dos seus paroquianos e que continue a aparecer nos jornais!

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